domingo, 11 de maio de 2008

PLANEJAMENTO

Por Ana Luiza Herzog

Ao longo dos meses de abril e maio do ano passado, o paulista Cesar Suaki, diretor-geral de operações do atacadista mineiro Martins, envolveu-se num projeto inédito em toda a trajetória de mais de meio século do grupo. Ele e outras 25 pessoas, entre diretores e os seis representantes do conselho consultivo (como o fundador Alair Martins), pensaram pela primeira vez nos detalhes do planejamento estratégico da companhia para os cinco anos seguintes. O time definiu uma série de medidas a ser executadas a cada ano e também estimou curvas de vendas, lucros, custos e retorno sobre o capital investido. O resultado, segundo Suaki, é que hoje todos sabem exatamente onde a empresa estará -- ou pelo menos onde pretende estar -- em 2012. Uma das principais metas é dobrar as vendas, que alcançaram 3,4 bilhões de reais em 2007. Trata-se de uma mudança drástica para uma empresa onde até recentemente os executivos adaptavam os próprios passos de acordo com as circunstâncias do momento. "Até pouco tempo atrás, era impossível pensar o que estaríamos fazendo daqui a cinco anos", afirma Suaki, que assumiu o cargo no final de 2006. "O cenário macroeconômico instável do país transformava esse exercício numa grande perda de tempo."

O exemplo do Martins é representativo da nova fase que vive boa parte das grandes empresas brasileiras. A administração com base no improviso e no jogo de cintura vem cedendo lugar a um planejamento estratégico cada vez mais longo e detalhado. O componente fundamental -- e mais óbvio -- dessa mudança é a estabilidade econômica. Hoje é possível assumir com alguma segurança que as taxas de juro e o câmbio não sofrerão grandes solavancos. A inflação, pelo menos por enquanto, está sob controle. O bom desempenho da economia brasileira -- que cresce sem parar desde 2001, a uma média anual de 3,3% -- cria condições favoráveis para exercícios de projeção como o do grupo Martins e tem trazido à tona uma série de planos de crescimento. "A estabilidade veio para ficar e isso muda radicalmente a maneira como as empresas precisam se planejar", afirma o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. Uma segunda força, esta de proporções globais, tem impelido as empresas a planejar meticulosamente o futuro: a instabilidade sem precedentes no ambiente de negócios. "Hoje, as companhias que operam no Brasil estão relativamente seguras em relação ao cenário macroeconômico", diz o economista José Paschoal Rossetti, professor da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte, e sócio da consultoria paulista Pragma. "Por outro lado, são bombardeadas por ameaças repentinas, como novos concorrentes e introdução de diferentes tecnologias. Isso faz com que as empresas tenham cada vez mais de antecipar surpresas."

Trata-se de uma alteração crucial no modo como as companhias pensam e executam suas estratégias. A mudança de rotina começa na elaboração dos planos. "Até muito recentemente, quem definia essas questões era o presidente e alguns diretores iluminados, que se sentavam numa torre de marfim para fazer o planejamento", diz o consultor paulista Paulo Apsan, especializado em gestão. "Com o fim da percepção de que a cúpula detém um conhecimento arcano sobre a companhia, esse processo está englobando cada vez mais gente." Foi o que aconteceu no Martins. Além do conselho, a diretoria execu tiva do atacadista também ouviu cerca de 30 funcionários -- gerentes, supervisores e especialistas -- para que suas impressões sobre o negócio pudessem ser consideradas nas discussões. Nessa busca por informações, os executivos da empresa chegaram até mesmo a conversar com um grupo de quase 30 clientes e fornecedores. A peregrinação serviu para elaborar um plano detalhado que prevê, por exemplo, que o número de pequenos comerciantes associados ao Smart, a rede de varejo do grupo, ultrapassará mais de 2 000 pontos-de-venda até 2012. A idéia é que a expansão seja acompanhada pela abertura de novos centros de distribuição -- algo que não acontece desde 2001. Atualmente, o Martins possui três deles: na sede do grupo, em Uberlândia, no interior de Minas Gerais, em João Pessoa, na Paraíba, e em Manaus, no Amazonas. Ainda neste ano, outros dois serão inaugurados nos estados do Espírito Santo e de Mato Grosso, o que vai exigir da empresa um investimento de cerca de 100 milhões de reais.
EXAME 01/05/08